quinta-feira, 18 de março de 2010

“May I have a cup o gold, please?”

Sou brasileira e amante do futebol. Nada mais clichê e previsível de que, em ano de copa do mundo, tudo gire em torno dessa paixão animalesca e irresistível.
Tornamo-nos patriotas, juízes ridiculamente fantasiados e até o mais descrente ritualiza todos os ‘esperados’ sete jogos do mês de Julho.
Dias atrás, conversava sobre: ‘O que você estava fazendo quando...’ e percebi que não me lembro muito bem de quase nada. Tipo, não tenho idéia do que fazia quando Lady Di, Mamonas Assassinas e Isabela Nardoni morreram. Mal me lembro do que fazia quando Michael Jackson desencarnou.
Incrivelmente me lembro de algumas copas do mundo. O que me deixou feliz e surpresa, pois percebi que minha memória retém mais momentos felizes do que fúnebres.

Vi meu pai chorando pela primeira vez em 1986, logo após Zico ter perdido um pênalti. Lembro que nossa seleção era favorita absoluta. Acho que 86 foi um ano determinante na minha ligação com o futebol, pois algo que havia feito meu pai chorar deveria ser realmente importante.

Já na adolescência, lembro-me que foi extremamente divertido confeccionar bandeirinhas pra decorar a rua e arrecadar fundos pra comprar tinta e pintar calçadas. Não liguei muito pra eliminação do nosso time, talvez porque em 1990 ainda não sentia direito a rivalidade contra os argentinos. Foi divertido passar as noites nos dividindo entre decorar e brincar de salada de frutas. Sem esquecer de que destruir toda a decoração foi mais divertido do que prepará-la. Descobri minha tendência esquerdista, apesar de tê-la realmente aflorada quase dez anos depois.

Em 1994, eu e minha prima Emi, eterna companheira, passávamos mais tempo no Cine Olido, no KFC e em sebos no centro da cidade do que em frente da TV vendo futebol. Com exceção das finais, que ritualizamos um tal de patê de atum e acreditamos que foi ele o responsável pela conquista da taça. Ridiculamente, assisti a maioria dos jogos ajoelhada, coisa que nem sonho em fazer hoje. A hérnia de disco não deixaria. O país inteiro deveria agradecer até hoje o patê de atum, meus joelhos e claro, Roberto Baggio.

Achei que não teria muito que fazer na copa de 98, pois morava nos EUA, onde o esporte não era nada conhecido. Apenas me esqueci de que morava numa comunidade de imigrantes, trabalhava num restaurante italiano e dava aulas de inglês para brasileiros. O cenário da grande final foi inesquecível, com a trilha sonora de (urgh!) Ricky Martin, num genuíno churrasco brasileiro, muitos brasileiros bêbados ao redor de uma piscina e um francês charmosíssimo entre nós.
O ‘tal’ francês, talvez, tenha me tirado o recalque que sentia pelo país, mas nunca me fez esquecer de ter visto o Empire State Building coberto com as cores da França. Estávamos tão bêbados que nem choramos. Fomos correndo pra uma balada na Christopher St., e muito xingados pela bagunça que causamos na redondeza. O álcool me fez esquecer de todo o resto da noite, mas me lembro muito bem de onde acordei e ao lado de quem...

Já de volta ao Brasil, morando sozinha, dando aulas no CNA, vi todos os jogos que se passavam no meio da noite. Lembro-me que minha prima Emi vinha em casa e trazia uma corneta barulhenta que acordava a gente e toda a vizinhança. A copa de 2002 foi surpreendente, pois estava prestes a tatuar no braço ‘Felipão, leva o Romário’ quando o decisivo (e na época magro) Ronaldo nos presenteou com dois gols na final. Nesse mesmo ano, perdi minha vesícula e um pouco da minha dignidade.

Construí minha pequena comunidade anarquista, tinha uma escola de inglês e alguns amigos bêbados jogados no chão da minha casa. Esse foi o cenário da desastrosa copa do mundo de 2006. Já tinha adquirido uma prótese de titânio na coluna, me preocupava intensamente com o câncer de mama da minha prima e chorava um amor perdido. Uma copa mais amena, menos revoltante, com outras prioridades, porém com a mesma raiva da França, e conseqüentemente de Roberto Carlos, que fez 200 milhões de conterrâneos chorarem ao arrumar sua meia em momento impróprio. Sei que não foi culpa dele, mas no mundo do futebol é sempre tradição culpar uma única pessoa por toda a desgraça.

24 anos se passaram desde a primeira copa que me lembro até a desse ano.
Impossível não me sensibilizar com as mudanças e desdobramentos da vida. Nesse ano de 2010, inacreditavelmente a África do Sul sediará um evento desse porte, eu celebro 10 anos sem álcool no organismo, celebro a solterisse, o retorno a casa de meus pais, amigos queridos e uma vida menos anarquista e mais corporativa.
Nessa copa, não mais terei a companhia de minha prima, pois esta já foi pro outro lado esperar por mim. Não terei meu amor ao lado, pois este também celebra o retorno ao seu lar.

Tudo mudou menos a vontade de gritar “HEXACAMPEÃO”, de comer pão com patê, de decorar a rua com temas da copa e celebrar o mais apaixonante e democrático de todos os esportes – a merda do futebol...