quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O Escolhido Foi Você


Esse livro caiu em minhas mãos porque alguém o leu (nesse caso, meu melhor amigo) e me emprestou dizendo: ‘a história é bobinha, mas os personagens são incríveis’.

Começar a ler um livro sabendo que ele é a consequência de uma fase de bloqueio e buscas de uma autora/cineasta/roteirista/diretora americana, de 35 anos, moradora de Los Angeles e procrastinadora é um alívio pra quem tem uma vida medíocre como eu. Uma autora/cineasta/roteirista/diretora também tem problemas de buscas, também senta na frente do computador achando que a ideia genial virá a qualquer minuto, e depois de mais ou menos uma hora a única coisa que conseguiu fazer foi jogar o próprio nome no Google umas 80 vezes. O roteiro do seu filme não se desenrola, ela não tem inspiração. Cansada, mas escrava, do mundo virtual, Miranda vai atrás de vida real. De gente real. De histórias que ninguém saberia se ela não tivesse respondido aos anúncios de um jornal chamado PennySaver.

Miranda ofereceu 50 dólares por uma hora do tempo daquelas pessoas que anunciavam no jornal. Explicava que era apenas uma entrevista simples, pra algo que não existia. Queria saber o motivo de elas estarem vendendo os objetos anunciados (jaqueta de couro, girinos, filhotes de gatos, álbuns de fotos, cartões de Natal) e fazia perguntas sobre suas vidas.

Ao longo das entrevistas, vamos entrando num mundo paralelo, porém real. Mais real impossível. A cada pessoa entrevistada, encontramos um pouco de nós mesmos. Comparamo-nos, detestamo-nos, envergonhamo-nos. Emocionamo-nos. Anônimos, solitários, sonhadores. Pessoas que parecem morar aqui do ladinho de casa. Pessoas que têm em comum algo surpreendente, desses ‘algos’ da vida que vêm como uma bênção em nossos caminhos tortuosos e solitários. Gente que faz a gente não se sentir tão sozinho dentro de todas as esquisitices possíveis e imagináveis de alguém como eu.

Esse foi um dos poucos livros que fiquei triste porque acabou. Não triste pela história do livro. Mas eu não queria que as entrevistas tivessem chegado ao fim. Chorei por Joe, por Miranda, mas principalmente por Carolyn.

Meu escolhido foi Domingo. Nada, ninguém, em momento algum da minha vida vai me surpreender como ele.

Recomendo a quem precisa de mais vida real.


Título: O escolhido foi você
Autor: Miranda July
Ano: 2013
Páginas: 218
Editora: Companhia das Letras


"... eu sabia que me esqueceria daquilo em menos de uma hora, e depois, me lembraria, e me esqueceria, e me lembraria. Cada vez que me lembrasse, seria um pequeno milagre, e me esquecer era tão importante quanto."


sábado, 11 de janeiro de 2014

A Insustentável Leveza do Ser

Milan Kundera e seu primoroso romance, aquele capaz de levar um ser pensante a loucura. Capaz de levar mesmo aquele ser que não é habituado a pensar, a pensar.
Estamos no ano de 1968. A invasão russa é algo presente. A dor, a perda, o vazio que impera num período de guerra são os fatores principais que levam a construção dos personagens como uma bússola, controlando o ritmo das emoções e sonhos desses quatro seres, que de tão leves escorregam pelos nossos olhos à medida que a história é narrada.

Franz e Sabina, Tomas e Tereza.

Impossível contar aqui a profundidade desses seres. Impossível entender em dois parágrafos (num volume de informação aceitável em qualquer resenha) o que esses quatro seres, que entrelaçados formam cada um de nós.
O brilhantismo do autor nos cega nos pontos em que nos mostra Sabina, escorregadia e determinada. Incansável caçadora de prazer. Aquela que teme encontrar. Lemos nas cenas em que Sabina encontra o prazer o auge da narrativa do erotismo. Kundera, mestre no assunto, consegue atingir a perfeição de sua narrativa ali.
O sonho de Franz, o alcance do amor impossível. A permissividade de Tereza, sua fragilidade e seu amor por Tomas. Tomas, sua coleção de mulheres e suas razões para tal. Quatro intelectuais que, à medida que a guerra e a repressão intensificavam, faziam de suas relações afetivo-sexuais o único subterfúgio de uma tentativa de liberdade, de se alcançar algum objetivo na vida.
Kundera discute alguns pontos que, pra mim, foram primordiais na questão da compreensão da leveza do ser: "Deus e a merda", "o kitsch europeu", "o Ess Muss Sein de nossas necessidades", "a dor e as razões da traição" e a “busca pela liberdade”.
A obra foi escrita por alguém sufocado, com as mãos atadas diante de tamanhas crueldades vividas, com a boca cheia de esparadrapos, com o peso do mundo nas costas.
Ideal para qualquer ser pensante, que de alguma forma se sente incompreendido, traído por aqueles que juravam acreditar nos mesmos ideais, amantes da liberdade e que, por isso, carregam nas costas todo o peso da hipocrisia do mundo. Carregam o peso de saber e entender o jogo óbvio de interesses nas relações dos seres humanos, da forma em que somos apenas peças num jogo de um manipulador que usa o outro ser apenas como parte de um objetivo e o descarta no momento em que não precisa mais dele. 
Esse peso é o peso de quem pensa.


Karenin, o cão, é o personagem que lhe tira esse peso das costas, e te mostra a beleza da leveza do ser.

Título: A insustentável leveza do ser
Autor: Milan Kundera
Ano: 1984
Páginas: 314
Editora: Nova Fronteira
11ª Edição



"... a vida humana só acontece uma vez e não poderemos jamais verificar qual seria a boa ou a má decisão, porque em todas as situações, só podemos decidir uma vez. Não nos é dado uma segunda, uma terceira ou uma quarta vidas para que possamos comparar decisões diferentes."

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Sobre as portas que batemos



- Vou desistir de tudo hoje.
- Não, não vai.
- Por que você tem tanta certeza disso?
- Se você me procurou pra dizer isso é porque não vai desistir de nada.
- Verdade.
- Então me diz. Por que eu?
- O copo transbordou.
- Desde quando existe o copo?
- Não me lembro.
- O copo não deve existir. Só o vazio dentro dele. Esse buraco sem forma, sem volume, sem gosto. Esse sim     precisa existir. Mas o copo não.
- Meu copo está quebrado.
- Às vezes não está quebrado. Às vezes é assim mesmo.
- Machucam-me. Os cacos.
- Pensa no vazio. É só ele que importa agora. Decida a importância dele pra você. Aceite. O copo não existe. A aceitação é o último estágio do luto.
- Posso ficar aqui do teu lado?
- Entre. Quer um copo d'agua?