Milan Kundera e seu primoroso romance, aquele capaz de levar
um ser pensante a loucura. Capaz de levar mesmo aquele ser que não é habituado
a pensar, a pensar.
Estamos no ano de 1968. A invasão russa é algo presente. A
dor, a perda, o vazio que impera num período de guerra são os fatores
principais que levam a construção dos personagens como uma bússola, controlando
o ritmo das emoções e sonhos desses quatro seres, que de tão leves escorregam
pelos nossos olhos à medida que a história é narrada.
Franz e Sabina, Tomas e Tereza.
Impossível contar aqui a profundidade desses seres. Impossível
entender em dois parágrafos (num volume de informação aceitável em qualquer
resenha) o que esses quatro seres, que entrelaçados formam cada um de nós.
O brilhantismo do autor nos cega nos pontos em que nos
mostra Sabina, escorregadia e determinada. Incansável caçadora de prazer. Aquela
que teme encontrar. Lemos nas cenas em que Sabina encontra o prazer o auge da
narrativa do erotismo. Kundera, mestre no assunto, consegue atingir a perfeição
de sua narrativa ali.
O sonho de Franz, o alcance do amor impossível. A
permissividade de Tereza, sua fragilidade e seu amor por Tomas. Tomas, sua coleção
de mulheres e suas razões para tal. Quatro intelectuais que, à medida que a guerra
e a repressão intensificavam, faziam de suas relações afetivo-sexuais o único subterfúgio
de uma tentativa de liberdade, de se alcançar algum objetivo na vida.
Kundera discute alguns pontos que, pra mim, foram
primordiais na questão da compreensão da leveza do ser: "Deus e a
merda", "o kitsch europeu", "o Ess Muss Sein de nossas
necessidades", "a dor e as razões da traição" e a “busca pela
liberdade”.
A obra foi escrita por alguém sufocado, com as mãos atadas
diante de tamanhas crueldades vividas, com a boca cheia de esparadrapos, com o
peso do mundo nas costas.
Ideal para qualquer ser pensante, que de alguma forma se
sente incompreendido, traído por aqueles que juravam acreditar nos mesmos ideais,
amantes da liberdade e que, por isso, carregam nas costas todo o peso da
hipocrisia do mundo. Carregam o peso de saber e entender o jogo óbvio de
interesses nas relações dos seres humanos, da forma em que somos apenas peças
num jogo de um manipulador que usa o outro ser apenas como parte de um
objetivo e o descarta no momento em que não precisa mais dele.
Esse peso é o
peso de quem pensa.
Karenin, o cão, é o personagem que lhe tira esse peso das
costas, e te mostra a beleza da leveza do ser.
Título: A insustentável leveza do ser
Autor: Milan Kundera
Ano: 1984
Páginas: 314
Editora: Nova Fronteira
11ª Edição
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