sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O Chauffeur de Luxo


 
Seu telefone tocava sem parar dentro daquela minúscula bolsa que ela carregava no braço direito. Nervosa e andando de um lado para o outro, focada em achar suas malas, com medo de ter perdido boa parte de sua vida. Ele havia chegado há mais ou menos uma hora. Tomava um café encostado no balcão de informações da empresa aérea, ouvindo sem muita atenção alguém que lhe contava uma história. Ouviu passos rápidos, curtos e barulhentos vindo atrás dele. Ele olhou pra direção de onde vinha o som e a viu. Pela primeira vez.
Foi tentar atender ao telefone e pedir informação ao mesmo tempo. Falou com o jovem atrás do balcão, pediu pra alguém no telefone esperar um pouco e o viu. Pela primeira vez.
“Minha bagagem não chegou com meu voo. Estou desesperada. Me ajuda, por favor!”
Feita toda verificação, a melhor notícia foi que suas malas estavam indo pra Manaus. Ela poderia preencher alguns formulários e aguardar doze horas para que o avião retornasse àquele aeroporto. Ele a viu se afastando com os formulários, sentando-se no chão, tirando seus sapatos de salto alto vermelhos e falando ao telefone. Ela o olhava e sorria.
“Se me permite, posso te ajudar.”


Em duas horas, ela embarcava num avião particular, sentada atrás da cabine do piloto, com a minúscula bolsa e sapatos nas mãos. Uma comissária de bordo a olhava de forma suspeita, mas tentava ser gentil, uma vez que a passageira de última hora havia sido convidada pelo respeitável piloto daquela empresa.
“Good morning ladies and gentlemen, this is Mr. Roberto D. …”
Em 4 horas e 22 minutos pousaram. Copiloto, comissária e passageiros desembarcaram, porém ele pediu que ela ficasse dentro do avião. Ela achou isso estranho, mas uma vez que era uma convidada, considerou fazer o que aquele charmoso Sr. D. a solicitara.
“Temos uma hora.”
Após 55 minutos, a tripulação adentrava novamente a aeronave. Sr. D. ajeitava o último botão do uniforme branco e azul e ela mexia em seu celular de cabeça baixa. Ele a olhou de canto de olho e respirou fundo. Aguardaram mais alguns minutos quando um funcionário do aeroporto avisou que sua bagagem já se encontrava naquele avião.

Já era final de tarde quando chegaram ao aeroporto de origem, desembarcaram juntos e em silêncio. Copiloto e comissária conversavam animadamente, se despediram deles e tomaram cada um o seu caminho. Eles continuavam andando lado a lado, mudos, como se já soubessem exatamente aonde iriam.

***
Ela acordou com o barulho do vento batendo na janela. Percebeu que estava só naquele quarto enorme e branco. Abriu a janela, avistou o Pão de Açúcar e sentiu o vento frio estapeando seu rosto. Aquela vista, aquela chuva fina, aquela manhã de domingo. Sentiu que alguém a olhava. Quando saiu do seu semi-transe, o viu parado na porta. Era o homem mais lindo que havia visto em sua vida.


“Quantos dias você ainda pode ficar comigo?”

Já estavam juntos desde o episódio das malas perdidas, há exatos três dias, cruzando os céus, indo de norte a sul, envolvidos num jogo perigoso e silencioso. Ficavam a sós dentro do avião em todas as paradas. E em todas elas, ele a desejou como se fosse a última parada, a última vez.
E foi então que aconteceu. Pegaram o último voo, dessa vez sentados lado a lado. Dessa vez ela segurava sua mão e o olhava ternamente. Dessa vez não haviam feito planos pra quando o avião pousasse. Dessa vez ele sentia medo.
Desembarcaram, retiraram as malas e caminharam 200 metros.
Ela deixou suas malas com ele e entrou numa lanchonete. Saiu pelo outro lado, sem olhar pra trás.

Ele a aguardou por alguns minutos, quando percebeu que ela não voltaria. Olhou para as malas e viu um bilhete preso nelas: “Obrigada por me ajudar a encontrar. A mim mesma e a minha bagagem.”.
Ela andava pelo saguão do aeroporto, esboçando um leve sorriso. Carregava uma minúscula bolsa vermelha no braço direito e calmamente mexia no celular.