domingo, 21 de setembro de 2014

Sobre o Fricote

"Pessoas com vidas interessantes não têm fricote. Elas trocam de cidade. Sentem-se em casa em qualquer lugar. Investem em projetos sem garantia. Interessam-se por gente que é o oposto delas. Pedem demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de cor preferida, de prato predileto. Começam do zero inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem no palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor e compram passagens só de ida..." Martha Medeiros
 
Quantas vezes você já se deparou com esse texto ao longo de sua vida social-virtual? Inúmeras. Pois é, eu também. Mas hoje, ao me deparar com ele de novo, tudo fez sentido.
Sobre a minha imperfeição, descrita, definida e assumida, não é preciso dizer mais nada. Mas sobre a descrição, definição e aceitação de "pessoa com vida interessante", ainda há algo a se dizer. Ou escrever. Ou pelo menos se refletir.
De acordo com a autora Martha Medeiros, cujas obras me são ainda quase desconhecidas - salvo um livro de crônicas que li há um ano e alguns textos curtos com frases de efeito que circulam pela web - eu sou uma pessoa de vida quase interessante. Digo quase, pois, me referindo ao texto acima, a autora afirma que pessoas com vidas interessantes NÃO tem fricote. Sim, elas têm. E muitos. Não chamaria de “fricote” as graves crises emocionais que normalmente as pessoas de vida interessante têm. Mas, no geral, os fricotes acontecem com certa regularidade. Pessoas que não têm fricote são geralmente pessoas com vidas sem muitas mudanças, onde a segurança da rotina e o comodismo as fazem fugir de alterações significativas que lhes causam o tal “fricote”.
Explicado o único ponto que não concordo com o trecho em questão, passemos aos outros pontos aonde chega a ser irônico a semelhança com o que vivo e acredito. Trocar de cidade, sentir-se em casa em qualquer lugar. Pra quem, aos 22 anos de idade foi embora pra Nova York com 400 dólares no bolso e sem lugar pra morar, trocar de cidade seria uma brincadeira. Investir em projetos sem garantia tem sido algo que preciso tratar em terapia. Incontáveis as vezes que investi tudo o que tinha em algo que me fizeram acreditar que era bom. E claro, não eram.  O que dizer sobre as pessoas por quem me interesso? O mesmo sobre projetos sem garantia. Invisto tudo o que tenho em pessoas que me fizeram acreditar que eram boas. E claro, não eram. Há alguns dias entreguei a carta de demissão mais triste da minha vida, escrita à mão em papel sulfite branco. Com toda a dor e a certeza do mundo, me retirei de onde não cabia mais. Sem ter nada a fazer, aceitei um convite pra fazer algo que nunca fiz.


Já subi em muitos palcos e tosei o cabelo pelo menos 3 vezes esse ano.
Loucuras de amor? Só se for por alguém que exista de verdade e não um punhado de mentiras e falsidade. É hora de celebrar meu corpo e minha mente, dando à eles tudo o que precisam, para que eu, pessoa de vida interessante, possa um dia voltar a acreditar que fazer loucuras de amor não é o mesmo que investir em projetos sem garantia. Alimentação adequada para que continue perdendo apenas peso e ganhando apenas autoestima.


Agora é hora de comprar passagens.
Só de ida.
Porque eu tive um ‘fricote’.
Porque me machucaram.
Porque eu preciso começar do zero.
Porque sim.
 
 

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Sobre a (im)perfeição


Que ninguém é perfeito todos nós (pessoas conscientes da necessidade de evolução) sabemos. Cientes que todos estamos sujeitos a provas diárias, basta-nos usar de bom senso, adquirirmos certos conhecimentos necessários, nos vestirmos adequadamente e sairmos de casa pra enfrentarmos mais algumas horas de vida em contato com as pessoas. Pessoas imperfeitas, aflitas, estressadas e tentando. Tentando arduamente se adequar em padrões estabelecidos, normalmente, por outras pessoas que não sabem o que são padrões. Pessoas que se submetem a rotinas massacrantes, que transpiram, que tentam e que se alienam. Tudo em troca de algo, claro. Normalmente em troca de dinheiro. Ou poder. Ou respeito. Dificilmente encontramos hoje um número relevante de pessoas que passam por tudo isso em troca de conhecimento. O indivíduo medíocre (no sentido de mediano e comum) já carrega nos ombros a ideia de que já conhece, já sabe e em certo momento de sua vida, desiste de aprender e passa apenas a ensinar. Ensinar aquilo que o mesmo ‘acha’ que conhece ou domina. Encontramos aí a pessoa ‘perfeita’.

A pessoa perfeita não está suscetível a erros, quanto mais enganos. Deslizes, talvez. Estes, a muito custo, admitidos diante de tal sabedoria. Na maioria das vezes, quando a pessoa perfeita percebe que cometeu um ‘deslize de conduta’, a mesma primeiramente disfarça um desprezo, para logo em seguida procurar explicações científicas ou teóricas e verborrágicas de alguém que um dia escreveu alguma coisa sobre aquilo. Com a mascarada consciência tranquila, a pessoa perfeita começa a mostrar uma inexplicável alegria diante das pequenas coisas da vida, pois a pessoa perfeita ensina. Ensina como se portar, falar, rir, se alimentar, se relacionar, se expor. Ensina perfeitamente até como você deve pensar. Claro, nesse momento de sua vida, aprender algo com alguém seria apenas uma perda de tempo. As qualidades do ser perfeito são inesgotáveis. De espiritualidade elevada e pensamento leve, a pessoa perfeita tem certeza de tudo o que faz, fala ou escreve. Ela sempre sabe o que está fazendo, por ser segura e saber controlar sua impulsividade.

Os imperfeitos, que uma vez admitiram que são eternos aprendizes, cometem erros. Muitos. Milhares. Aprendem com a maioria deles. Se não aprendem, sabem que terão que enfrentar tudo de novo. Para aceitarem que podem aprender mais uma vez. Os imperfeitos se espelham nos perfeitos. Porque sabem que têm muito a aprender, os ditos e assumidos imperfeitos aproveitam cada chance de provável evolução. O imperfeito, obviamente, incomoda e atrapalha. E ele sabe disso. Ser imperfeito implica em ser diferente. E admitir isso é característica principal (e negativa) desse tipo de pessoa. Uma vez sabendo de sua posição na sociedade, o imperfeito nunca se considera bom o suficiente. Pelo menos bom o suficiente para não precisar mais aprender. Dependendo de sua variação de humor, de seu estado emocional e da segurança de sua autoestima, a aprendizagem pode ser um processo leve. Ou não. Há aqueles imperfeitos que de tão aflitos, se sentem vítimas de um meio. Mais um ponto negativo e mais um tópico na lista de melhorias necessárias. De novo, uma vez assumido, resta ao imperfeito a procura de ajuda para sua evolução e progresso. Primeiramente como ser humano e em seguida, como um ser humano lidando com seu meio.

Seja perfeito ou imperfeito, seja humano ou desumano, justo ou injusto. Seja lá o que for. Tanto um quanto o outro devem saber que qualquer indivíduo ensina melhor aquilo que mais precisa aprender. Logo, assuma o que se é. Admita o que se é. Perdoe-se do que se é. Seja grato pelo que se é.

E aja de acordo.

sábado, 13 de setembro de 2014

Sobre a Palavra


Palavras ditas no calor das emoções são normalmente palavras impulsivas, cheias de consequentes arrependimentos e meio-sorrisos. Palavras escritas são normalmente frias, pensadas e calculadas. Repensadas e recalculadas. Exatamente como estas que escrevo agora.
Pensadas e repensadas. Escritas e reescritas. Editadas e reeditadas. Ditas e soltas ao mundo.
Se elas estão indo ou vindo, já não importa. Elas já estão lá. E não há mais nada a fazer quanto a isso. Todas as cartas estão na mesa. O que fazer com elas? Ainda tentar ganhar alguma coisa em um jogo cheio de desperdícios e falta de comunicação?  Aceitar que perdeu e seguir de cabeça erguida? Qualquer decisão seria mais uma perda de tempo. Tempo esse que já não tenho mais. Tempo esse que já passou.
Fazer as malas e limpar o armário. Fechar mais um ciclo e recomeçar. Sem medo, vergonha ou orgulho.
Buscar ou fugir, tanto faz.

As portas se abrem novamente e o cheiro de estrada já começa a entrar nesse novo cenário. Anônimos e leitura. Fotografias e arte.
Vida.
Deixo minha provável última palavra aqui:

 “Gratidão.”

domingo, 7 de setembro de 2014

Sobre a fuga


Ela desceu as escadas apressadamente. Lembrou-se apenas de amarrar os tênis e colocar os seus pertences dentro da mochila. Correu pra fora daquele prédio sem olhar pra trás.
Sabia que o que havia feito era errado. Sabia que não tinha que estar lá. Mas tinha ido e já não havia mais nada a ser feito. Era hora de voltar pra casa. Ou pelo menos, era hora de ir pra algum outro lugar.
Entrou na estação e escolheu alguma linha pra seguir viagem. Eram quatro as opções. Escolheu a mais confortável. O trem já andara algumas estações quando se deu conta que precisava vomitar. Saiu correndo na estação seguinte e procurou um banheiro. Foi lá que desmaiou.
Acordou num quarto com luz baixa. Uma senhora gentilmente aproximava as palmas de suas mãos em sua testa, fazendo com que um leve aroma de flores chegasse a suas narinas. Não queria saber onde estava, pois se sentia segura e era o que bastava. Adormeceu mais uma vez.
Felizmente encontrou um táxi numa esquina escura. O motorista parecia pacifico e rapidamente a levou para o centro da cidade. Parou no hotel que ela pedira e silenciosamente aceitou o pagamento da corrida. Ela pediu um quarto e subiu sozinha.
A senhora a dera uma flor já meio murcha e um papel dobrado. Nele havia escrito com suas letras de semianalfabeta: “perdoa seus monstros”. Guardou o papel e a flor no bolso de seu casaco e banhou-se. Precisava de um banho e mais algumas horas de sono pra se recuperar da bebedeira, da dor no estômago e da náusea que o ódio provoca.

Saiu daquele hotel depois de algumas horas. Já havia amanhecido quando se deu conta de que tinha esquecido seus óculos escuros em algum lugar. Passou por tantos lugares desde que chegou nessa cidade que não fazia ideia de onde estaria.  Nem seus óculos, nem ela mesma. A decisão de estar o mais longe possível de seus monstros a fez viajar horas e horas, numa ‘falsa’ esperança de que quanto mais longe estivesse, menos dor sentiria. Sempre havia buscado algo em suas viagens. Dessa vez, fugia. Fugia do pior sentimento que havia sentido. Fugia de um sentimento que ela nem sabia que era capaz de sentir.  E ela precisava sentir tudo aquilo sozinha. Precisava sentir toda a dor que pudesse sentir pra que talvez pudesse perdoar a si mesma um dia por ter se colocado naquela situação. Como não havia percebido o óbvio?
De tudo que havia estudado, lido, pesquisado, conhecido. De tudo que havia feito e vivido. De tudo que havia visto. Dessa vez sim, ela podia afirmar com todas as letras que havia conhecido a pior espécie de ser humano que havia na face da terra. E como se perdoar por não ter percebido isso a tempo? A tempo de não ter que fugir? Como se deixou levar por alguém de sentimentos tão cruéis? Alguém que faz do sofrimento alheio algo a ser levado como um troféu? Como se livrar disso tudo e ao mesmo tempo carregar dentro de si a maior das lembranças? Por que o universo a poria dentro de um meio tão sujo, com seres capazes de tamanha maldade?

A vida a ensinava. Mais uma vez, a ensinava. Da forma mais dolorosa, mais inapropriada, mais cruel. Ela se olhou no espelho pela última vez antes de ir. Ela se odiou por ter acreditado. Ela se odiou por ter feito a pior das escolhas. Ela se odiou por ter trocado quem deveria estar ao seu lado, por alguém que nunca merecia sequer saber seu nome. Ela se odiou por não ter enxergado a tempo.

Havia chegado em seu limite. Já havia descoberto o que precisava descobrir. Agradeceu o universo, apagou a luz e se foi.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O pouco, o muito

É pouco ser correta. Ser honesta. Ser humilde. É bem pouco ser sincera. Num mundo onde o ter é melhor que o ser, é considerado muito quem mente, quem ilude, quem massacra, quem humilha, quem fere.
É pouco querer. É pouco fazer. É pouco pensar. Mas dentro do meu pouco, um mundo de muitos. Muitos sonhos, muitos objetivos, muitos amigos. Muito amor, muitas risadas, muitos livros e muito conhecimento.
É pouco pra muitos. E esses muitos são muito pouco pra mim.
Sou muito pra muitos. E pouco pra alguns. É assim. Penso muito. Vivo muito. Me importo pouco. Um pouco menos a cada dia.