Ela desceu as escadas
apressadamente. Lembrou-se apenas de amarrar os tênis e colocar os seus
pertences dentro da mochila. Correu pra fora daquele prédio sem olhar pra trás.
Sabia que o que havia feito era
errado. Sabia que não tinha que estar lá. Mas tinha ido e já não havia mais
nada a ser feito. Era hora de voltar pra casa. Ou pelo menos, era hora de ir
pra algum outro lugar. Entrou na estação e escolheu alguma linha pra seguir viagem. Eram quatro as opções. Escolheu a mais confortável. O trem já andara algumas estações quando se deu conta que precisava vomitar. Saiu correndo na estação seguinte e procurou um banheiro. Foi lá que desmaiou.
Acordou num quarto com luz baixa. Uma senhora gentilmente aproximava as palmas de suas mãos em sua testa, fazendo com que um leve aroma de flores chegasse a suas narinas. Não queria saber onde estava, pois se sentia segura e era o que bastava. Adormeceu mais uma vez.
Felizmente encontrou um táxi numa esquina escura. O motorista parecia pacifico e rapidamente a levou para o centro da cidade. Parou no hotel que ela pedira e silenciosamente aceitou o pagamento da corrida. Ela pediu um quarto e subiu sozinha.
A senhora a dera uma flor já meio murcha e um papel dobrado. Nele havia escrito com suas letras de semianalfabeta: “perdoa seus monstros”. Guardou o papel e a flor no bolso de seu casaco e banhou-se. Precisava de um banho e mais algumas horas de sono pra se recuperar da bebedeira, da dor no estômago e da náusea que o ódio provoca.
Saiu daquele hotel depois de
algumas horas. Já havia amanhecido quando se deu conta de que tinha esquecido
seus óculos escuros em algum lugar. Passou por tantos lugares desde que chegou
nessa cidade que não fazia ideia de onde estaria. Nem seus óculos, nem ela mesma. A decisão de
estar o mais longe possível de seus monstros a fez viajar horas e horas, numa ‘falsa’
esperança de que quanto mais longe estivesse, menos dor sentiria. Sempre havia
buscado algo em suas viagens. Dessa vez, fugia. Fugia do pior sentimento que
havia sentido. Fugia de um sentimento que ela nem sabia que era capaz de
sentir. E ela precisava sentir tudo
aquilo sozinha. Precisava sentir toda a dor que pudesse sentir pra que talvez
pudesse perdoar a si mesma um dia por ter se colocado naquela situação. Como
não havia percebido o óbvio?
De tudo que havia estudado, lido,
pesquisado, conhecido. De tudo que havia feito e vivido. De tudo que havia
visto. Dessa vez sim, ela podia afirmar com todas as letras que havia conhecido
a pior espécie de ser humano que havia na face da terra. E como se perdoar por
não ter percebido isso a tempo? A tempo de não ter que fugir? Como se deixou
levar por alguém de sentimentos tão cruéis? Alguém que faz do sofrimento alheio
algo a ser levado como um troféu? Como se livrar disso tudo e ao mesmo tempo
carregar dentro de si a maior das lembranças? Por que o universo a poria dentro
de um meio tão sujo, com seres capazes de tamanha maldade?
A vida a ensinava. Mais uma vez,
a ensinava. Da forma mais dolorosa, mais inapropriada, mais cruel. Ela se olhou
no espelho pela última vez antes de ir. Ela se odiou por ter acreditado. Ela se
odiou por ter feito a pior das escolhas. Ela se odiou por ter trocado quem
deveria estar ao seu lado, por alguém que nunca merecia sequer saber seu nome. Ela
se odiou por não ter enxergado a tempo.
Havia chegado em seu limite. Já havia descoberto o que precisava descobrir. Agradeceu o universo, apagou a luz e se foi.
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