domingo, 24 de abril de 2011

Uma carta de amor

Eu te odeio. Mas eu te odeio tanto, tanto, que esse ódio não me deixa. E a cada nova experiência amorosa que vivo, esse ódio aumenta. E mais, e mais.

Eu te odeio por você ter sido o melhor namorado pra mim. Eu te odeio por você ainda ser meu melhor amigo. Eu odeio o seu jeito de dançar, de beijar, de fazer amor. Eu odeio me lembrar da forma com que você me olhava de manhã, quando acordava e fazia uma piada. De como você me fazia cócegas só pra me ver nervosa. De como você adorava cozinhar seus risotos de pêra. Odeio o seu cheiro no meu travesseiro, o seu cheiro encravado na minha pele. Simplesmente odeio saber o que é cinema, enquadramento, atuação, direção, fotografia, trilha sonora, Truffaut, Bergman, Fassbinder, Bertolucci. Pois até te conhecer, Titanic, Matrix e Cidade dos Anjos eram as melhores coisas que tinha visto. Eu odeio me lembrar do seu jeito lindo quando tocava na Loca com seus fones de ouvido e seu sorriso cansado. Até mesmo Madonna não é a mesma. Ela era erótica, e pronto. Ela era pop, e só. Não... Depois de você, Madonna é uma mulher complicada e cheia de influências de arte pura. Barbra Streisand cantava bem antes de conhecer Aimee Mann.

Era simples. Minha vida era simples. E você veio pra dificultar.

Eu te odeio. Odeio porque eu acreditava no amor. Naquele mais simples, sexualmente submisso e manipulativo. Você me convenceu que era melhor não sonhar com uma casa de cercas brancas e sofás cor de marfim. Que isso era a representação mais hipócrita da classe média. Eu acreditava nas instituições, no PSDB, no Criança Esperança e na Rede Globo. Sim, eu tinha fé em coisas fáceis. Em coisas que todo mundo têm fé.

Por que você me ensinou História da Arte? Por que você me ensinou Historia do Cinema? Por que discutimos filosofia por tantos anos? Não queria saber o que é epistemologia e alter-ego.

Eu não sabia e era feliz.

Odeio passar por lugares onde sentamos por tardes inteiras roteirizando a vida das pessoas que passavam por nós. Odeio reler os roteiros que fizemos pros filmes que nunca produzimos, pras sketches que nunca apresentamos e pros vídeo clipes que nunca foram ao ar.

Odeio-te mais ainda por você ter me amado e me admirado. Sem jogos, sem simulações, sem mentiras brancas, sem esconder o passado, sem hipocrisia. Por você ter visto coisas belas por debaixo da minha capa de gordura. Por você me amar mesmo sabendo quantas calcinhas minhas estão furadas, e fazer piada de todas. Por você ter me provado o quanto eu merecia as noites de luxúria nos hotéis baratos da Rego Freitas e nos bares engordurados da Vieira de Carvalho. O quanto eu merecia conhecer pessoas de verdade, e que só nesses lugares as encontramos. O quanto precisava tratar pedintes, atendentes, moradores de rua, travestis, michês e putas, como se estivesse tratando comigo mesma. O quanto é importante enxergar o próximo que realmente precisa da minha atenção. Era tudo mais simples e menos sofredor quando eu os ignorava e tinha medo deles.Tudo.

Odeio-te por ter me deixado sozinha, com tudo isso dentro de mim. Odeio como isso virou motivo de fuga pra todos os homens que encontro. E eu odeio ter que te dizer tudo isso aqui, nesse email. Odeio a falta de coragem de ter te dito isso olhando em seus olhos, pois odeio seus olhos críticos.

Odeio você por você se odiar tanto. Tanto a ponto de achar que não merecia meu amor.

Odeio nosso amor pelo ódio.

Amo nosso ódio pelo amor.

E me odeio mais ainda por não ter entendido direito o que era seu ódio. Que não tinha nada a ver comigo, que você nunca havia me odiado.

Você só odiava o meu amor por você. Que era pequeno, egoísta, orgulhoso e vaidoso. E você, que havia me oferecido um relacionamento verdadeiro, acabou conhecendo alguém que só amava o amor que sentia por você. E nunca havia amado você de verdade. Não como você me amou. E eu me odeio por isso. Muito mais do que você.

Published on November 11, 2009.