quarta-feira, 9 de março de 2011

A Gênese

Eu tinha uma melhor amiga. Vamos chamá-la de Clarissa, pois sempre gostei desse nome e quero muito preservar a imagem de minha amiga, hoje casada e mãe de dois filhos lindos.

Quando nos conhecemos, nossas vidas eram cheias de ‘nada’. Não fazíamos absolutamente nada naquela época. O maior feito foi ter passado no ‘vestibulinho’ da escola técnica de secretariado. Não tínhamos namorados, vida social, amigos e viagens. Ela era fã de Vanilla Ice e eu, de New Kids On The Block. Não tínhamos Nike Air Rosa Choque, o que nos excluiu de todas as atividades extracurriculares. Não depilávamos o buço e não tirávamos sobrancelha. O único menino que ficou a fim da gente (isso mesmo, da gente) tinha cara de porquinho. Ah, santa adolescência.

Certo dia, esse nada se transformou em algo. Em algo importante. Muito importante. Fui pra casa dela fazer trabalho de escola, estávamos batendo ele à máquina (de escrever, lembram?) e preocupadas com nossos ‘frufrus’ verde-fluorescente da Pakalolo. Naquela época a Elke Maravilha tinha um programa de entrevistas a tarde no SBT. E nessa tarde, ela entrevistou uma figurinha muito estranha, mas que nos deixou boquiabertas e com os olhos vidrados. O nome da entrevistada era Dimmy Kier, uma das primeiras Drag Queens brasileiras. Ela estava lá pra explicar pras donas de casa o que era aquilo, a diferença entre elas e as transformistas do Show de Calouros, etc. Algo aconteceu dentro de nós, e ficamos histéricas.

Passamos a procurar tudo que se relacionasse ao mundo das Drag Queens. Jornais, revistas, TV. E descobrimos um lugar chamado Massivo. E ficamos correndo atrás de amigos gays pra nos levarem as boates para vermos as Drag Queens. Assistíamos Na Cama com Madonna sonhando em estar no meio deles. Descobrimos a House Music, Drag Music, e mais um monte de coisa que grita. Re-descobrimos Madonna.

Até ir pra uma balada gay, eu tinha beijado uns 2 meninos. Já estava indo pra Faculdade de Letras, e a vida emocional não andava. Nesse momento da minha vida, eu já conhecia uma meia dúzia de pessoas do meio, e fui levada pra antiga Nation na Praça Roosevelt. Naquela noite, uns 3 caras bem alegrinhos me tascaram beijos na boca. Voltei pra casa feliz por não ter sido chamada de ‘Arigatô, Sayonará’ a noite toda, coisa que sempre acontece em baladas heterossexuais. Lá na Nation eu não era uma estranha. Eu era exótica, e essas pessoas adoram ‘as exóticas’. Eu poderia me vestir do jeito que quisesse, dançar como bem entendesse, beijar todo mundo sem medo, e ainda correr o risco de apanhar de skin-heads – violentíssimos no começo dos anos 90. Mas, acreditem, tinha gente que achava fino apanhar de skin heads!

A partir daí, freqüentei muitos inferninhos, muitas casas noturnas de bichas classe-média alta, bares, botecos, raves, etc. Fiquei amiga de todas as Drag Queens mais famosas, era promoter da Loca e do Massivo, fazia festa na Gent’s. Até que conheci meu primeiro namorado em uma dessas baladas, e fugimos pra Nova York. Minha família contrariou o namoro, por motivos bem óbvios.

E assim, hoje relembrei de todo o trajeto. Porque acordei me perguntando: Por que sou assim?

Sou assim porque desde 1993 eu vivo num mundo cor-de-rosa, muito divertido, entorpecido, esfumaçado, animado, ácido e que cheira Cândida com Pinho Sol. Um mundo paralelo a tudo que as pessoas conhecem de mim. Um mundo que, não adianta onde estiver, estará dentro de mim. Tendências? Karmas? Darmas? Ainda busco respostas. Ainda sofro um pouco a solidão de uma mulher heterossexual de 33 anos e solteira.

Eterno conflito.

Minha melhor amiga resolveu o conflito dela. Parou de sair pra lugares GLS aos 23 anos, se casou e tem uma família estruturada.

Será que é tarde demais pra mim?

Published Sunday, November 22, 2009
Re-edited - March 2011

Um comentário:

  1. Nunca é tarde. O que tiver que ser será. E tu é uma guria maravilhosa, logo logo encontra alguém pra te completar :)

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