Carta essa que nunca chegará ao destinatário. Carta essa que ficará guardada numa gaveta, até que de um lado estejam palavras doídas e do outro, endereços aleatórios, cubos, espirais, e qualquer outra coisa que será desenhada enquanto se fala ao telefone.
Mas é uma carta de amor. É sim. Tem sentimento, tem dor, tem perda. Tem pouco sorriso, pouco amor. Tem desprezo, tem espera, tem angústia. E tem o orgulho. Foi escrita no meio da madrugada.
Cartas sem dor são escritas nos parques, nos escritórios, nos intervalos. Cartas de amor são escritas à noite. Com um cinzeiro cheio de bitucas de cigarro de um lado e um copo com o resto de um café frio e amargo do outro. Cartas de amor têm cheiro de óvulo. Têm cheiro de tensão. Não são perfumadas, e não têm desenhos. Cartas de amor têm apenas dor. Essa dor que passa à medida que as horas passam, à medida que os parágrafos surgem, na mesma proporção que o sono chega.
No final da carta de amor, com os dedos cansados, com os olhos inchados e exausta de olhar pra mesma fotografia envelhecida dentro da gaveta, o sentimento já é de tédio. A carta de amor se transforma em carta de desabafo. E na terceira vez que a carta for lida, a vergonha de si mesma é tanta que o ensaio de um sorriso até aparece no rosto, e aquela risada cheia de saliva que se junta ao chorar aparece.
A vida volta ao normal.
Mais uma vez, o destinatário não a lerá. Mais uma vez, a carta de amor não servirá pra nada. Já me disseram uma vez: ‘cartas de amor são ridículas, se não fossem ridículas não seriam cartas de amor.’ Sim, concordo. Ridículas. Assim como eu. Assim como eu. Assim como eu.
E sim, gargalhadas. Claro.