sábado, 7 de agosto de 2010

Literaturizando

Se você fosse um livro, que livro seria?


Eu sei que nunca deveríamos responder uma pergunta com outra pergunta, Chavez já me ensinou. Mas uma pergunta dessas, assim, do nada e dentro do ônibus? À essa hora? Numa segunda-feira? Quanta coisa passando pela minha cabeça, e você olhando pra mim com esses olhos inchados de início de semana. Eu pensando, e você me olhando. O melhor que consegui fazer foi, claro, outra pergunta: Pode ser uma cena? E você me olha de novo, dessa vez já desperto, e me diz entediadamente: Sim, mas você ainda tem que me responder a outra pergunta.


Eu sou o Joey do seriado Friends, guardando Little Women no congelador, porque está muito triste com os acontecimentos do livro.


Mais alguns minutos de silêncio e eu continuo pensando. Você tenta, como sempre, preencher os nadas entre a gente e começa um texto engraçado: Olha, desde que começamos a pegar esse mesmo ônibus, já vi você lendo uns vinte livros diferente. Já me assustei bastante com as suas escolhas. Lembro que o primeiro livro que vi nas suas mãos foi Trópico de Câncer, do Henry Miller. Fiquei impressionado, pois você lia como se estivesse dentro da história. Naquela época você não sabia que eu existia. (E na minha cabeça, passava frases do tipo: bobinho, eu já tinha até prestado atenção nas suas axilas!) Depois disso, não me lembro da ordem, mas começou a aparecer Milan Kundera, epopéias de médicos medievais, Kerouac, Saramago, Bukowski, entre outros. Realmente acho que não será dificil escolher um livro que mais se parece com você.

Eu quebro seu texto com mais uma pergunta: Quais foram os sustos que você levou? Ah, John Grisham, porque é muito diferente do que você sempre leu, e de uns tempos pra cá, andam aparecendo uns livros Espíritas. Me assustei porque não imaginava que você tinha uma religião. Sempre imaginei que quem lêsse esses escritores malditos dificilmente acreditava em Deus. Mas o que me deu coragem pra iniciarmos uma conversa foi ter visto você lendo um livro sobre a Ferrari. Aí eu pensei comigo mesmo: Não é possível. Isso não é possível. Eu começo a rir com tantas revelações, e você, como sempre, não entende porque dou risada. Enfim, digo: Diante das suas constatações, uma pessoa que lê tanta coisa diferente nunca conseguiria responder a sua pergunta. Eu estava pensando em responder algo bem utópico, tipo, ‘eu sou a biblia’. Mas seria pretensioso demais. E nesse momento você começa a falar mais rápido, pois a sua parada está próxima. Você vai me deixar esperando uma semana pra saber a resposta? Eu concordo com um sorriso, silenciosamente. Você fica com um olhar irritado, e diz, como todas as segundas: Então, uma boa semana pra você. Algum filme pra me recomendar? Eu te recomendo ‘Um Homem Sério’ (Coen Brothers) e você diz que já viu. Então eu digo que não tenho mais nenhum pra te indicar e você já está parado nas escadas, esperando a porta abrir. Você me dá um tchau, e sai andando sem olhar pra trás.

O dia já está quase amanhecendo e eu aproveito pra continuar lendo. Abro ‘Comer, Rezar e Amar’ e a primeira frase que aparece é ‘Não toque em nada que não seja você mesmo’. Agradeço Elizabeth Gilbert, agradeço o universo pelo nosso diálogo, guardo o livro na bolsa e fecho os olhos.

Finalmente, silêncio.

Um comentário:

  1. Rê...
    Adorei o texto... Também não sou capaz de dizer qual livro eu seria. As vezes acho que sou uma autoajuda barata, em outros me vejo vivendo aventuras alá Kerouac, em tantos outros sofro e remôo sentimentos e angustias com palavras bem Caiofernandianas... No fim somos mesmo o misto de tudo o que consumimos, isso inclui os outros seres humanos que dia a dia somos obrigados, ou não, a digerir.

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