Trilha sonora pra esse texto: clique
aqui
Ouvi Chandelier da Sia todos os dias. Religiosamente. Por
quê? Não sei. Só sei que ouvi. Sissy that walk da RuPaul foi a música que eu
ouvi todos os dias pela manhã, exceto no período que morei fora. Lá eu ouvia o
que os outros estavam ouvindo. Era hora de conhecer coisas novas.
Foi o ano de Rebel Heart e de chorar ouvindo True Blue ao
vivo depois de tantos anos.
Foi o ano de Cate Blanchet e sua magnífica Carol. Não houve
filme mais lindo que esse.
Foi o ano de Homeland, sem dúvidas. Com duas temporadas
arrebatadoras, depois de um final incerto na terceira temporada. Carrie
Mathison é ainda a personagem feminina de séries ‘modinhas’ mais forte, mais
humana e consequentemente, mais complexa.
Foi o ano de Rainhas. Drag queens. Ano de Bianca del Rio e
Violet Chachki. De Bob The Drag Queen e Chichi Devayne. De autoestima e amor
próprio. Coisas que se aprendem quando você entra num universo tão rico, tão
cheio de vida e alegria, tão cheio de arte, mas que noventa por cento da
humanidade marginaliza, ridiculariza e se envergonha.
Foi o ano de Paulo e Estevão. De uma leitura que machuca a
alma e ao mesmo tempo te levanta de qualquer lamaçal que tenha se enfiado.
Das estradas, claro, todas rumo ao Sul. Todas que me levaram
à vida que eu escolhi ter de vez em quando. Que me levaram ao mate, à fogueira,
ao amor livre e ao direito de ser quem você quiser ser. Eu era uma babá. E
também muitas outras coisas que não convém citar aqui.
Ano das águas geladas do Uruguai, e ano das águas mornas do
litoral paulista. Foram nove praias no total. Algumas montanhas e todos os
nasceres e pores de Sóis possíveis e imagináveis.
Foi o ano de começar em uma escola de idiomas na Augusta.
Foi o ano de largar tudo (de novo), aceitar um trabalho em Punta del Diablo e
descobrir intimamente as belezas do Uruguai. E da Alemanha, da Turquia, da
Espanha , da Holanda, e principalmente da Argentina. Tinha o mundo inteiro se
reunindo todas as noites em volta da fogueira pra contar histórias. Voltando
pras minhas terras, vivi. Tudo o que quis. Largaria tudo de novo pra viver tudo
isso de novo. Nunca me abandonarei atrás de uma mesma mesa por anos e anos,
estagnada e sonhando com uma vida que eu nunca vou ter. Nunca me deixarei
dentro de um aquário observando o mundo que passa a minha frente. Nunca
permitirei que o comodismo me impeça de viver. Nunca permitirei que os meus
sonhos sejam podados pelos sonhos dos outros.
Foi o ano da paz e da leveza do perdão. Paz essa conseguida
em trabalhos comunitários, em trabalhos de amor e uma tentativa (ainda que um
pouco falha) de altruísmo. Paz essa conseguida depois de entender que do nada a
gente pode deixar esse mundo. Então que sejamos os mais honestos que pudermos e
que consigamos olhar um pouco pra fora do nosso próprio umbigo. Foi o ano da
alimentação saudável e da tentativa de uma vida saudável. Nem tanto, nem
sempre. Mas tentei.
Começo meu novo ano sem chefe, sem horário fixo, sem crachá.
Livre das corporações, hoje trabalho com moda – mas prometo não me tornar
fútil. Começo dando algumas aulas particulares, palestrando, fazendo
consultorias, traduções, academia, crochê e sexo de vez em quando.
Recomeço
algumas parcerias perdidas com o tempo.
Já com duas viagens agendadas, começo redescobrindo
estradas, mares e céus. Com algumas paixões no peito, vou levando a vida
tentando não machucar ninguém. Principalmente a mim mesma.
Fotografei e continuarei fotografando. Sempre. Até o próximo
ano.
E que, de novo, ninguém me tire de mim.