sábado, 28 de dezembro de 2013

SOBRE A RESIGNAÇÃO


Dentro daquela livraria vazia e quente eu tentava decidir qual livro me acompanharia ao longo da estrada mais longa da minha vida. Por medo, covardia, orgulho e respeito, eu havia escolhido continuar viva e enfrentar tudo de cabeça erguida. Peguei um livro que tratava da loucura sob a luz do Espiritismo e como qualquer ser humano desesperado, tentei rezar.
Tomei alguns comprimidos de Dramin e tentei começar a leitura. Fechei o livro na terceira linha. Sabia que se continuasse teria problemas. No silêncio daquela estrada escura, num misto de egocentrismo e automutilação, eu encerrei o ciclo mais longo da minha vida. Naquela noite, eu soube o que seria o resto da minha vida. Engoli meu choro como uma criança repreendida por um professor grosseiro, ganhei uma gastrite e passei quatro dias e três noites sem dormir. Entendendo vagarosamente que a chance única do amor havia passado. Na minha idade (acredito já ter passado da metade dessa vida), com o volume de informação e experiência, com o orgulho de alguém que já chegou ao inferno, com o brilho de quem já conheceu o céu, eu aceitei a minha situação. Eu aceitei que não nasci pro amor. Pois este é para todos, mas não de todos. Não é algo pra mim. E foi assim, em meio a leituras e filmes, séries e exposições, cafés e academia, sexo casual e postagens de blog que eu vivi esse ano. Sem amor. Sem paixão.
E sem paixão, não há muita esperança. Meu corpo adoeceu, juntamente com a minha solida carreira profissional. Recuei alguns passos, me organizei financeiramente e passei o segundo semestre do ano de férias. Sim. Seis meses de férias. Um sonho que eu realizei. Andei por toda a cidade, fotografei todos os lugares por onde andei, visitei quem eu quis visitar e dormi onde quis dormir. Acordei afogada em números desconhecidos, em ilustrações sem importância, em jardins de inverno românticos, em apartamentos quase vazios de móveis, mas cheios de alma. Acordei onde quis acordar. E fiquei até onde eu poderia e deveria ficar.
Meu dinheiro chegou ao fim no mesmo instante em que decidi qual caminho que minha vida profissional vai seguir daqui pra frente. E tudo se encaixa. Experimentei a liberdade. Vagueei e me escondi. Li, vi e revi. Dormi mil horas. Joguei. A liberdade é de todos, mas não para todos. Eu descobri nesse experimento que sim, a liberdade é pra mim.
Um ano de silêncio. Um ano de despedidas dolorosas. Um ano de reflexões. Um ano maldito. O primeiro ano da minha pós vida.
Sobrevivi. Afinal, ainda há livros para serem lidos, filmes para serem vistos e arte pra ser sentida. Estou correndo pra viver o mais intensamente possível. Como sempre fiz. Mas agora é sozinha e é pra valer. Falar do que eu quero agora é fácil. Não quero muita coisa. Bastam-me algumas horas de leitura por dia, algumas linhas de conversas interessantes, alguns cigarros e duas xícaras de café. Se não houver interlocutores, falo com minha mente, que já não se cala há anos. Se houver interlocutores, que sejam os eleitos pra me ensinarem algo novo. Fugirei do vazio, mais que dos meus próprios medos. Fugirei de pessoas vazias, contudo, procurarei em multidões o silêncio do meu espírito. Entrarei apenas onde for convidada. Serei grata pelas minhas próximas vidas àqueles que entenderem tudo isso e mesmo assim quiserem continuar do meu lado.
Procurarei ganhar carinhos gratuitos das crianças ao meu redor. Sorrisos de quem não espera nada de mim além de mim mesma. Nada como os bebês pra provarem que existe afinidade de almas, que existe o interesse no humano além do dinheiro.
Uma mochila surrada, música e estrada. Vou trabalhar pra comprar uma máquina fotográfica profissional e viajar. Isso ainda é a minha pequena e humilde missão de vida.
Abraços apertados. Desejos luxuriosos e secretos realizados. Lençóis sujos e olhos inchados.
Poesia. Arte, tecnologia, algumas futilidades, simplicidade e sexo de vez em quando.
Quero ainda essa determinação em mim. Que mesmo depois de ter descoberto o pior da vida, ainda sonho.  Sonho em fazer dessa merda toda ser a melhor coisa que eu poderia ter feito.

Resignação é também uma forma de ser feliz.

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